Cadeia produtiva do setor calçadista avalia cenário internacional

Abicalçados, pelos produtores de calçados, e CICB, pelos curtumes, avaliam cenário 

 

Após um ano de bons resultados, em 2022, a maior parte da cadeia produtiva do calçado tem sofrido reveses consecutivos no comércio internacional ao longo do ano corrente. As explicações, além do cenário econômico conturbado, são desde barreiras comerciais para pagamentos até a concorrência com produtores asiáticos, que voltaram com apetite ao mercado após políticas rígidas para contenção da pandemia de Covid-19 e a normalização dos preços do frete internacional.

Representando mais de 4,5 mil indústrias de calçados brasileiras, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) destaca que as exportações do setor vêm caindo desde o final de 2022. Conforme dado mais recente, entre janeiro e agosto as exportações do setor somaram 82,28 milhões de pares, que geraram US$ 823,15 milhões, quedas de 15,7% em volume e de 6,6% em receita no comparativo com o mesmo período do ano passado. Em 2022, o crescimento foi de 14,8% em volume (142 milhões de pares) e 45,5% em receita (US$ 1,3 bilhão) em relação a 2021.

A coordenadora de Inteligência de Mercado da Abicalçados, Priscila Linck, destaca que impactaram negativamente no resultado o desaquecimento da economia internacional, que deve crescer 3% em 2023, bem abaixo dos níveis históricos. “A combinação do cenário internacional de inflação, alta de juros e queda na demanda dos nossos principais destinos não traz boas expectativas para as exportações brasileiras. Para 2023, trabalhamos com uma projeção de queda entre 6,7% e 9,1% em volumes e de 8,7% a 9,7% em receita na relação com 2022”, comenta.

Principal destino do calçado brasileiro no exterior, a Argentina vem diminuindo suas importações de forma generalizada devido à crise econômica interna e à tentativa de preservação de suas parcas reservas internacionais por meio de barreiras como a medida do Banco Central da República Argentina (BCRA), que alterou as condições de acesso ao Mercado Único de Câmbio para pagamento de importações. Segundo Priscila, muitos calçadistas brasileiros, em função desta resolução, estão deixando de exportar ou exportando menos para a Argentina. “Soma-se a essa barreira, a projeção negativa da economia argentina, que deve encolher 2,5% em 2022”, acrescenta. Entre janeiro e julho, os argentinos importaram 9,36 milhões de pares verde-amarelos, 8,3% menos do que no mesmo período do ano passado. Já as importações de calçados totais na Argentina também caíram, mas menos, o que aponta para uma perda de market share local para o calçado brasileiro. Entre janeiro e julho, as importações de calçados na Argentina caíram 3,4%, no comparativo com o mesmo intervalo de 2022. “A participação do Brasil, nos sete primeiros meses, passou de 53% para 40%. E dos asiáticos, somados (China, Indonésia e Vietnã), de 44% para 56%”, conta Priscila.

Segundo destino do calçado brasileiro no exterior, os Estados Unidos também vêm importando menos produtos verde-amarelos em função da crise interna e da tentativa de conter a inflação por meio de taxas de juros históricas (as maiores em 22 anos). Entre janeiro e julho, os exportadores brasileiros enviaram para lá 6,3 milhões de pares, 51,4% menos do que no mesmo intervalo do ano passado. No mesmo período, as importações totais de calçados dos Estados Unidos caíram 33% em volume - o que significa mais de 500 milhões de pares. “A participação da China no mercado dos Estados Unidos aumentou de 60% para 61% no período, enquanto a brasileira caiu de 1% para 0,5%”, diz. Para 2023, a expectativa é de que a economia norte-americana cresça apenas 1,8%, bem abaixo dos patamares históricos.

Couros: caminho inverso
Exportando entre 70% e 80% de sua produção de mais de 40 milhões de peles todos os anos, a indústria de couros brasileira está com resultados inversos aos registrados pelas calçadistas e empresas de componentes e químicos. Diferentemente dos outros setores da cadeia, os curtumes registraram dificuldades também ao longo de 2022, em função das restrições ainda vigentes àquela época sobre a pandemia na Ásia e com o conflito Ucrânia e Rússia. “A indústria brasileira de couros teve avanços importantes em 2022, apesar dos grandes desafios relacionados ao mercado e à situação econômica e política global, especialmente na Ásia e na Europa, onde grandes clientes do nosso material estão. Em números, as exportações de couros do Brasil, em 2022, chegaram a US$ 1,22 bilhão, o que representou uma redução de 13,8% sobre 2021”, conta o gestor de Inteligência Comercial do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), Rogério Cunha.

Segundo Cunha, a economia internacional influencia de sobremaneira a indústria de couros do Brasil, não só por serem as exportações o principal destino do couro brasileiro, mas também pelo fluxo e valor de insumos consumidos pela produção. “As questões políticas e diplomáticas envolvendo Estados Unidos e China, a retomada econômica em ritmo reduzido nos últimos anos no território chinês e os conflitos envolvendo Ucrânia e Rússia influenciam o consumo das famílias, o que consequentemente afeta o mercado do couro”, ressalta o gestor.

Já em 2023, os números estão melhores para a indústria do couro brasileiro. Dados elaborados pelo CICB apontam que, de janeiro a julho de 2023, o país vendeu ao mercado externo um total de 89,7 milhões de metros quadrados de couros, 9,3% mais do que no mesmo intervalo do ano passado. “Tivemos no final de agosto a feira All China Leather Exhibition, em Xangai, que não ocorria desde 2019, e seu retorno teve um excelente resultado para os 13 curtumes brasileiros expositores. Há um sentimento geral de que a China venha a melhorar sua economia ainda em 2023, considerando o crescimento de 5,5% de seu PIB no primeiro semestre do ano”, destaca Cunha, acrescentando que a China, como principal destino internacional do couro brasileiro - market share de mais de 27% -, tem reflexos importantes nas exportações do setor. “Vemos com otimismo as perspectivas das exportações para o segundo semestre do ano, com a possibilidade de crescimento em volume”, conclui.

ApexBrasil: estímulo à exportação
Criada em 1997 com o objetivo de estimular as exportações brasileiras por meio de projetos setoriais, capacitação e qualificação voltadas à internacionalização, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) ganha ainda mais relevância em momentos conturbados como o atual. Para alcançar seus objetivos estratégicos, a ApexBrasil disponibiliza estudos e análises sobre o comércio exterior e investimentos diretos, realiza ações diversificadas de qualificação de exportação e expansão internacional direcionadas às empresas brasileiras e oferece uma vasta gama de iniciativas para impulsionar as exportações e valorizar os produtos e serviços brasileiros no exterior.

A diretora de Negócios da ApexBrasil, Ana Paula Repezza, destaca que a agência tem um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável em suas três dimensões (social, ambiental e econômica), auxiliando empresas de todos os portes a ganhar o mercado internacional. “Um dos objetivos da nova gestão da ApexBrasil é atuar em prol do desenvolvimento regional, de modo a reduzir as desigualdades do País”, comenta.

Os números robustos comprovam a força da Agência e a sua importância para a ampliação do comércio internacional brasileiro. Segundo Ana, são mais de 80 setores apoiados, com iniciativas realizadas diretamente pela Agência ou em parceria. “No primeiro semestre de 2023, as exportações das empresas apoiadas no âmbito desses projetos foram mais de US$ 48 bilhões e representaram crescimento de 12% em relação ao mesmo período do ano anterior”, destaca. Já em 2022, quando o Brasil somou US$ 334,5 bilhões em exportações, as quase 4 mil empresas apoiadas pela ApexBrasil atingiram a marca de US$ 128,3 bilhões em exportações, ou seja, 38% do total.

Um dos destaques no escopo de serviços e produtos oferecidos pela ApexBrasil são os programas setoriais. Com a cadeia produtiva do calçado são dois: o Brazilian Footwear, com a Abicalçados; e o Brazilian Leather, com o CICB. “Cada projeto setorial oferece um mix de ações de promoção comercial, entre elas missões empresariais, rodadas de negócios, apoio à participação em feiras internacionais e visitas de compradores estrangeiros ao Brasil”, comenta Ana.

Brazilian Footwear
Em uma parceria que já dura mais de duas décadas, a Abicalçados e a ApexBrasil mantêm o Brazilian Footwear, programa de incentivo às exportações do setor. Conforme levantamento da Abicalçados, no ano passado o Brazilian Footwear apoiou um total de 22 ações, sendo 16 feiras, dois projetos compradores, uma missão comercial, duas ações individualizadas e o projeto Brazilian Footwear by Joor, além dos investimentos em promoção de imagem da indústria calçadista brasileira no exterior. In loco, ou no momento da ação, os eventos apoiados geraram US$ 33,6 milhões. Se somadas as expectativas proporcionadas pelas iniciativas, em negócios alinhavados, o número pula para mais de US$ 120 milhões. O valor, convertido em reais (mais de R$ 619 milhões) aponta para um retorno de R$ 68,70 para cada R$ 1 investido nas ações pelo Programa.

Brazilian Leather
Com relação à cadeia de couros, a ApexBrasil e o CICB estabeleceram o primeiro convênio em 2000. O valor das exportações dos participantes do programa Brazilian Leather representa, conforme o CICB. mais de 90% do total gerado pelos embarques de couros. Entre as ações apoiadas pelo programa, estão o projeto de gestão da sustentabilidade (Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro), estudos de mercado, defesa de interesses, entregas em inteligência comercial, organização da participação brasileira em feiras internacionais, missões comerciais, entre outras. Para o CICB, a parceria com a Agência mudou o patamar da indústria coureira no País, prevalecendo atualmente produtos de maior valor agregado (couros acabados e semiacabados), enquanto à época do primeiro projeto mais da metade das exportações eram de couros wet blue.